segunda-feira, 17 de junho de 2013

Ô, MÃE!

       - Mãe, acorda...
       - Não, Daniel, deixa a mamãe dormir mais um pouquinho...
       - Mãe, a televisão está sem som. Como eu vou jogar videogame?
       - Pede pro papai, filho.
     Daniel sai do quarto, aguarda alguns minutos e volta:
       - Mãe, acorda... Eu estou com muita fome.
       - Tá bom, Daniel. Mamãe vai fazer lanche pra você. Vamos lá.
       - Vamos.
       - Quer comer o que? Pode ser pão e leitinho com Nescau?
       - Pode...
       - Tá bom.
       - O, mãe...
       - Oi?
       - Aproveita que você já levantou pra fazer o meu lanche e arruma o som da televisão porque está sem som e eu preciso muito jogar videogame.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Catapócia

       - Quer janta, Dani?
       - Não, quero pão com ovo!
       - E queijo?
       - Muito queijo... Pode exagerar.
       - Tá, vou exagerar. E essa carinha aí, o que foi?
       - Estou triste, Bruna...
       - Por que, Dani?
       - A novela acabou, Bruna, agora eu vou ter que ir para a Turquia ver a Morena, ir no Brasil pegar a Lucimar e levar as duas para a Catapócia andar de balão comigo.
       - E o Théo?
       - O Théo não, o Théo está trabalhando.
       - E você é pouco esperto, né? Quer ir só com as duas andar de balão.
       - Claro, né, Bruna, não sou besta.
       - Tá bom de queijo?
       - Não, pode por mais.
       - E agora?
       - Mais.
       - Chega?
       - Mais, Bruna.
       - Daniel, você quer pão com ovo ou pão com queijo?
       - Pão com ovo. E pão com queijo. Pão com muito ovo e muito queijo.
       - Seu safado.
       - Bruna, a Morena gosta de pão com ovo também. Vou levar para ela.
       - Arram. Levar para a Catapócia.
       - Isso. Mas antes vamos no Brasil buscar a Lucimar.
       - Ok, entendi. Turquia, Brasil e Catapócia!
       - Isso! Andar de balão!
       - Tá. Mas desde quando você gosta de balão?
       - Sempre gostei.
       - Sempre? Sempre quando?
       - Sempre, Bruna!
       - E a minha tatuagem de balão?
       - O que?
       - Você disse que não tinha gostado.
       - Disse. Mas agora eu gosto.
       - Arram. Mas você tentou arrancar.
       - Tentei. Faz tempo. Agora eu gosto e vou mostrar pra Morena o balão para ela ficar empolgada.
       - Empolgada?
       - Empolgada para ir andar de balão comigo na Catapócia.
       - Arram, seu esperto, você tentou arrancar minha tatuagem, disse que era feia, agora gosta e quer usá-la para fazer a Morena andar de balão com você?
       - Sim.
       - E isso é certo?
       - Lógico que é.
       - Mas você tentou arrancar meu balão!
       - É... Eu tentei, né, mas não consegui, agora vou voar nele com a Morena...

terça-feira, 30 de abril de 2013

Sem culpa.

       - Cadê os povo?
       - Os povo foi pescar, Daniel. Você já sabe disso.
       - E eu?
       - Você ficou.
       - Isso eu sei, né, Bruna, mas e eu?
       - Uai, você ficou, Dani. Ficou comigo e com a mamãe.
       - Nãããããããããããão, Bruna, não é isso... E eu?
       - Uai, Dani, não estou entendendo. O que você quer saber?
       - Quero saber de mim, Bruna, você não ouviu?
       - Ouvi, Dani, mas não entendi o que você quer que eu responda.
       - Ai ai, Bruna... Os povo foi pescar, né?
       - Né.
       - E eu?
       - E você ficou?
       - Isso... Fiquei.
       - Tá, e aí?
       - O que Bruna?
       - O que tem você ter ficado?
       - Fiquei e não fui pescar, né?
       - Isso.
       - Então não tenho culpa disso.
       - Não tem culpa disso... Disso o que, menino?
       - De quando o meu pai voltar ficar bravo.
       - Bravo por que?
       - Porque nada...
       - Como assim nada? O que o senhor fez?
       - Nada de mais, Bruna.
       - Tá. Nada de mais... Mas o que foi?
       -  Os povo foi pescar, eu fiquei e a mamãe está na Mimos.
       - Isso mesmo.
       - Então não tenho culpa.
       - Culpa de que?
       - Não tenho culpa, Bruna...
       - Tudo bem, não tem culpa de que?
       - De nada, porque eu não tenho...
       - Tá bom, entendi. Qual culpa não é sua, Dani?
       - A culpa de tirar a roupa suja desse balde aqui, ó, e encher ele com todas as besteirinhas que eu roubei da geladeira e da despensa quando você estava tomando banho. Só falta eu achar o pote de dinheiros para a verdura que a Ana escondeu e a gente compra suco de latinha e come vendo a Morena!

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Aniversário parte dois - a câmera

       Daniel ganhou presentes muito legais. Eu e o Vítor demos uma câmera fotográfica para ele. É uma câmera de verdade, porém para crianças. Emborrachada, protegida, resistente e forte. Bem forte. É assim que deve ser. Daniel adora fotografar! A tal câmera é a imagem que mais temos visto ultimamente. Não há uma só situação que ele não queira registrar. Mal dá tempo de abrirmos os olhos e lá está ele, fotografando novamente! Isso me lembra uma vez que eu morri de rir com o Daniel por causa de uma câmera.
       Estávamos no rancho, já no dia de voltar para casa, arrumando as coisas em caixas e limpando tudo. Dani estava passeando por todo o local e registrando cada coisa bonita que encontrava pelo caminho. É muito interessante ver as fotos que ele tira, porque é como ter uma visão de como ele enxerga o mundo. Ele clica todo o tempo, então podemos facilmente saber qual o seu trajeto e quais os pontos para os quais olhou enquanto andava. Mas, nesse dia, ele voltou com a roupa toda suja de terra.
       - Daniel, você caiu?
       - Caí não, Bruna...
       - E essa roupa suja, Dan? Deixa eu levantar o short e ver seu joelho.
       - Não, eu não caí, Bruna. Só estou passeando. 
       - Tudo bem, mas deixe eu ver essa perna aqui.
       - Não. Vou ali ajudar a tia Neuza com a comida. 
       E deixou a câmera em cima das caixas. Eu e o Vítor a pegamos e começamos a ver as fotos. Era inacreditável. O céu, várias flores, a cerca, as pedras, o carro, a porta, a mão na maçaneta, a porta aberta, eu e o Vítor guardando as comidas na caixa, nossas cabeças, a porta, a porta sendo fechada, a maçaneta, o chão, o chão, o chão, a tia Neuza, a panela, a comida, a tia Neuza de novo, a cerca, o chão, o chão, o chão, a árvore, o céu, o céu, o céu, o céu, de repente um borrão, uma poça de lama bem de perto, as pernas esticadas no chão, os pés sujos de barro, o dedão do pé ralado, a canela suja, o joelho com o short em cima, as mãos puxando o short, o joelho todo ralado, a coxa ralada com o short pela metade, o short sendo puxado um pouco mais, a coxa esfolada até lá em cima, a poça de lama, a mão no chão fazendo força, a cerca, a árvore, o carro, a porta, a mão na maçaneta, a porta aberta, eu e o Vítor guardando as comidas na caixa... 
       Peguei a câmera e fui até ele. 
       - Daniel, você caiu?
       - Caí não.
       - Caiu que eu sei, Dani. Deixa eu ver. 
       - Não caí, Bruna!
       - Dani, deixa eu te mostrar essas fotos aqui.
       - Ixi, Bruna. Teve jeito não. Você me descobriu, ein?
       - Descobri, Daniel, você caiu feio.
       - É verdade, eu caí tirando foto, mas você viu? Eu sou frotrógafo!


quinta-feira, 11 de abril de 2013

Aniversário parte um - o bolo e o Chiquinho.

       Daniel fez aniversário no dia trinta e, como foi feriado na sexta anterior, estávamos no rancho. Para quem não sabe, o rancho é o lugar onde acampamos onze de dez feriados existentes. Estávamos no rancho e, como toda boa criança, Daniel queria festa de aniversário com "risólio" e coxinha. Eu o convenci de que não era possível fazer "risólio" ou coxinha com os poucos recursos oferecidos pela Serra da Mesa e ele aceitou a situação quando eu lhe disse que faria bolo sabor prestígio e cachorro quente com molho feito no liquidificador. Daniel só gosta de cachorro quente com molho batido no liquidificador, ele diz que é mais lisinho. 
       Passei a tarde fazendo aquele negócio enquanto todos pescavam no lago. Uma trabalheira danada. No final da tarde, o Dani veio correndo, deu-me um abraço mais do que delicioso como quem sentiu saudades a tarde inteira, olhou para mim e disse "E aí, meu bolo está pronto?". Estava, né, claro que estava. Mas custava dar um beijinho e dizer só "Eu te amo! Senti sua falta... Agora me diga cadê o meu bolo?". 
       Ele me contou sobre a pescaria, contou sobre os peixes que não pegou, sobre o sol, sobre o Vítor ser o campeão de pesca, sobre o Chiquinho (peixinho do tamanho de uma unha que ele ganhou do Vítor após o coitado ter enroscado-se na camisa dele), sobre minha mãe só pegar tocos, sobre meu pai ser bom pescador e, no intervalo de uma coisa e outra, ele sempre dava um jeito de encaixar o bendito do bolo no assunto. 
       - Meu pai pesca muito! Vai ser bom comer os peixes que ele e o Vítor pegaram, né, Bruna?
       - Né, Daniel, agora levanta o braço para lavar esse sovaco aí!
       - Mas quando come tem que ter sobremesa, né, Bruna?
       - Né, Dani, agora o outro braço. 
       - E a sobremesa pode ser meu bolo, né, Bruna? Onde ele está mesmo?
      Depois de incontáveis escapadas no assunto para falar do bolo, ele finalmente viu o bolo. Adorou! Arrumei a mesa com o bolo, os pratos, copos, sucos,  refrigerantes, cachorro-quente, pães, milho e ervilha, Eduardo, Michele, Chiquinho, guardanapos e uma caixa de chocolates. Tudo junto mesmo. Cantamos parabéns e fomos, finalmente, comer o bolo. 
       Daniel adorou, comeu vários pedaços e falou inúmeras vezes que estava muito gostoso. Antes de dormir, já dentro da barraca, porém, ele me disse:
     - Ô, Bruna.
     - Oi, Dani.
     - O bolo estava muito gostoso.
     - Que bom que gostou, fiz com carinho.
     - Obrigado.
     - De nada.
     - Mas ô, Bruna...
     - Que, Dani?
     - Você não colocou vela. Bolo de aniversário precisa ter vela. Sem vela, não é bolo de aniversário. Você vai ter que fazer outro amanhã para mim.

     

quarta-feira, 27 de março de 2013

Chicrete

       Cheguei em casa e o Daniel estava na porta me esperando. Eu e o Vítor descemos do carro e ele veio pulando e correndo todo feliz. Achei que era por me ver, mas ele tratou logo de abraçar o Vítor - como sempre.
       - Olha, Dani, fiz minha tatuagem!
       Ele só parou para me dar atenção na segunda, quando o Vítor não estava mais por perto.
       - Olha, Dani, fiz minha tatuagem!
       - Hm. Deixa eu ver.
       - Daniel do céu, não pega não, homem! Dói! Vê com os olhos.
       - O que é isso mesmo?
       - Um balão!
       - Balão de encher?
       - Não, balão de voar.
       - Acho que eu não gostei não, Bruna.
       - Não?
       - Não, muito feio isso aí.
       - Poxa, mas é vermelho. Sua cor preferida. 
       - É sim.
       - E mesmo assim você não gostou?
       - Gostei não.
       - Por que?
       - Não dá para tirar?
       - Dá não, Dani. Agora já era. Eu gostei tanto, tem certeza de que você achou feia? Não quer ver direito não?
       - Quero não, mas deixa eu ver direito.
       - DANIEL, TIRA ESSE SEU DEDÃO DAÍ! VÊ COM OS OLHOS!
       - Precisa gritar?
       - Uai. Você não ouve. E isso dói, sabia?
       - Dói nada. Mentira sua. Eu já fiz tatuagem e nem doeu.
       - Doeu não? E que tatuagem foi essa que você fez e eu não estou sabendo?
       - Dã... De chicrete, né, Bruna?
       - A! Claro... De "chicrete". Essa não dói mesmo não.
       - Vou fazer outra tatuagem de chicrete. Se ficar feia igual a sua, eu tiro.
       - Tira? Tira como?
       - Com a unha, ué. Arranha assim ó.
       - Só fala, Dani, não precisa me mostrar!
       - Tá. Assim, ó! (arranhando o ar)
       - Hm, entendi. É, assim ela sai mesmo.
       - Vamos tirar a sua?
       - Não dá, Dani. Essa foi feita com agulha.
       - Agulha? E tinha chicrete na agulha?
       - Tinha chiclete não, tinha tinta....
       - Então dá para tirar, Bruna!
       - Dá não, Dani.
       - Dá sim! Eu sei fazer. Já aprendi!
       - Aprendeu? Como é?
       - Fácil! Igual eu tiro a de chicrete, olha!
       - DANIEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEL, NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃO!



quarta-feira, 20 de março de 2013

Zoo

    Ano passado a minha mãe decidiu que aprenderia a costurar. Sabendo ou não sabendo dominar aquela "coisa", que ela chama de máquina de costura, mamãe disse que faria novas fronhas de travesseiro para mim e para o Dani.
      - Vou comprar um tecido de vaquinhas para a Bu e um de futebol para você, Dan.
      - Tá doida, mãe? Não quero fronha de futebol não. É feio!
      - Por que não, filho? Você não gosta de futebol?
      - Gosto, né, mãe, mas eu quero uma fronha de flor.
      - Mas de flor, filho? Você não acha que flor é de menina não?
      - Lógico que não, mãe! Tá doida? Coisa de menina. Não é coisa de menina não! Flor é jardim, mãe! Você não sabe? Jardim. Eu quero dormir em um jardim.
      E ele dorme mesmo. Daniel sempre foi poético.

    Além de a fronha, o lençol e o edredom serem de flores (detalhe que vocês podem também observar no layout desse blog), ele dorme com uma infinidade de amigos que só se encontraria em um jardim. O quarto do Dani é cheio de bichos. Todos têm todos seus respectivos pares - Daniel acha importante cada brinquedo ter seu companheiro(a) para que não se sinta sozinho - e recebem nomes especiais.
     Não tenho como citar todos, mas alguns dos mais importantes são o Tico e a Tica, um casal de golfinhos de pelúcia que, para o Daniel, são passarinhos e botam ovos - e vai tentar dizer que o rabo deles não é de fato um par de asas para ver o que é bom! Uma semana com os dois golfinhos bicando nossa cabeça durante a noite.
     Tem a Meg e seu marido Tonico, ambos são dálmatas, mas o Dani insisti em tratá-los como dois filas muito bravos. A Meg já está na segunda versão, é mais velha que eu e, infelizmente, a primeira versão resistiu bem somente durante os primeiros 17 anos de existência. Acabou sofrendo algo como uma desmaterialização no 18º e 19º. Ela tem tanta vida própria que, muitas vezes, todos nós nos pegamos conversando com ela e com seu marido, alimentando-os, dando presentinhos, levando mordidas e dando broncas.
     O Eduardo e a Michele são partes constantes dos nossos dias, um casal muito distinto de uma Barbie ruiva e o senhor Max Steel vestido com um terno e chapéu de cowboy. Eduardo é policial, vaqueiro, motorista, cantor e cozinheiro. Quase tantas profissões quanto o Dani. Eles têm mais ou menos uns doze filhos e filhas, todos com vozes um tanto quanto agudas e irritantes, Daniel alcança um agudo incrível, estilo Cindy Lauper. Eduardo e Michele são, verdadeiramente, integrantes da família. Vira e mexe o casal, sua penca de filhos, eu e o Daniel fazemos festas de arromba em meu quarto com muita música, luzes e comida furtadas da geladeira quando mamãe não estava olhando. 
      Há um casal de salsichas, Safira e Bily, que latem muito e não gostam que a gente encoste em seus rabos. Inicialmente, a mamãe comprou um salsicha de pelúcia apenas, isso foi em uma vez que fomos ao cinema com o Dan e ele se recusou a entender que no cinema, por mais que ele peça, não vão acender as luzes. Ele ficou bravo, quis largar o filme e ir lanchar. Depois de lanchar, foi à loja de brinquedos e se apaixonou pelo salsicha. Ele agarrou dois, um em cada braço, e insistiu para que a mamãe não separasse os dois amantes. Ela tentou convencê-lo (obviamente, sem sucesso) de que não tinha dinheiro para levar os dois e, então, comprou só um. Daniel falou sobre a fêmea abandonada na loja de brinquedos e de todos os perigos que ela corria sem seu marido por perto até que nós, emocionados (ou de saco cheio), praticamente quiséssemos comprar todo o estoque de salsichas da loja. 
     Há um casal de pássaros que, de fato, são pássaros e não, golfinhos. Novamente, minha mãe cometeu o erro de comprar apenas um, por quem o Dani se apaixonou. Minha avó foi a responsável escolhida educadamente - por trezentas ligações melodramáticas do Daniel - para encontrar a esposa do senhor passarinho de cujo nome não me lembro. Pode parecer fácil encontrar a fêmea para aquele macho abandonado, mas o Daniel é um tanto exigente. A fêmea tem que ser parecida, mas não pode ser igual. Ele encontra diferenças na costura, na altura dos olhos, em uma manchinha minúscula de sujeira e, se os dois brinquedos forem exatamente iguais, ele pega o pincel atômico escondido e faz com que se tornem, minimamente, diferentes. Vovó, porém, não achou a tal fêmea. Nem igual, nem diferente. Comprou um pinguim muito parecido com o formato do pássaro solitário, tendo esperanças de que o Dani não iria perceber. 
       - Legal esse passarinho, vó, mas ele é diferente, né?
       - O, meu filho, é não... É diferente porque é a fêmea.
       - Engraçado, vó. Não parece a fêmea.
       - Não, meu grandão?
       - Não, vó... Isso aqui parece um pinguim. A senhora comprou errado. Agora tem que trazer a fêmea do meu passarinho e um macho para esse pinguim aqui.